quarta-feira, 3 de setembro de 2014

O primeiro dessa fase "Depois das Batatinhas". Para Gabriela e Vanessa...



O dia mal tinha amanhecido e os meus olhos já estavam abertos.
Há dias que o despertador não tocava. Eu desarmava antes mesmo de.
Com um suspiro da alma, daqueles bem fundos, pegava impulso e jogava os pés pra fora da cama. Caminhava no automático para o banheiro. Xixi. Dentes. Chuveiro.
Lavar cabelo era luxo. Só mesmo quando eu tinha que visitar cliente. O coque que eu fazia, fazia de mim mulher de negócios. Só não sabia de quais.
Arrumada por fora, bagunçada por dentro, esperava eu aquele mesmo taxista. Há uma quinzena era ele. Melhor do que eu, já sorria às sete e meia. O bom dia caloroso, a alpha fm no rádio. Sempre Lenine. Sempre Vercilo.
A porta do escritório estava sempre aberta. Eu podia não ter nada que me segurasse em casa, mas tinha gente que tinha menos ainda. E eles estavam ali. Pelo menos, eu pensava, não sou eu que abro a porta.
O computador ligava, mas eu só percebia uns dez minutos depois. Meu olhar tava parado no calendário com mensagens otimistas do Seicho-no-ie. Hoje ele dizia que Deus é infinito e abrange tudo que é bom. O problema não é esse, queridão. Problema é descobrir o que é bom, afinal.
O café tava doce, pra sobrepor o amargo da vida. Mas inserir tanto doce na rotina parecia desaforo. Metade ficou na xícara.
Posta no Instagram algo legal, só pra alguém invejar o que eu quero jogar no lixo.
Daqui 10 minutos confiro as curtidas. Sempre tem alguém pior que eu.
Alguns relances de esperança vem com fraqueza, tipo espião mal treinado, tropeçando nos móveis. Olho para eles e finjo não ver. Até porque, eles me acalmam. Sorrio de canto e eles se empolgam.
A hora do almoço chega e as risadas fogem entre as batatinhas. O suco é gelado e a tentação pro sorvete está sempre lá. Mais presente que tia solteira no natal. Mas, a quem interessar possa, eu não tomei. O sorvete, não a tia.
Pedi pra beijar aquele amigo de sempre e acho que ele topou. De tudo que me falta, me falta mais o beijo. A excitação que sobe (ou desce) dele é mágica. Mágica que não mostram em Harry Potter.
De volta à mesa, enrolo papéis como se fossem pergaminhos. Procuro o botão de mute em diversas pessoas, mas nunca encontro. Ouço metades de duas ou três músicas. Sorrio, sem paciência.
O dia arrasta, como as correntes que eu insisto em levar comigo. Companheiras elas. Pesadas, mas companheiras.
A noite promete a visão de um antigo pretendente. Quero confete. Preciso urgentemente que alguém me comemore. Alguém que não seja eu mesma.
E há de acabar como sempre. Eu sorrindo pros pedaços de mim que habitam a cama ao meu lado, esperançosa pro dia seguinte, que vai começar exatamente como começou o de hoje. Automaticamente. Automaticamente triste.
Mas acalme-se. Sempre melhora depois das batatinhas.